segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A MULHER DO BURACÃO

A MULHER DO BURACÃO
     Numa pacata cidade do Amazonas onde as pessoas ainda têm o hábito de cumprimentar as outras quando se cruzam nas ruas, aconteceu um intrigante mistério que até hoje causa muito remorso. Devido a falta de água, os moradores resolveram escavar um buraco num terreno baldio, fazendo lá um enorme cacimbão que jorrava água cristalina.  O local virou atração dos comunitários que sentiam-se felizes e aliviados com a fartura da água que dali retiravam para saciarem a sede. E, assim, continuavam a usufruir do líquido precioso, sem perceber que alguma coisa inesperada estava por acontecer com aquela fonte de água doce.
     De manhã, aproveitando o rebento do Sol, uma senhora que chegou primeiro na cacimba avistou o corpo de uma mulher flutuando na fonte. Assustada, correu para avisar os parentes que  imediatamente retiraram o corpo já sem vida. Daí por diante o cacimbão foi abandonado pelos populares que  temiam a impureza da água  para o consumo. Depois de vários meses do ocorrido, percebeu-se que a terra tremia na área da cacimba, deixando todos estarrecidos. O intenso abalo fez árvores desabarem; também ouviram estrondos no subsolo parecendo que a terra estava se deslocando de um lugar para outro.
     Quando a turbulência passou o local ficou todo rachado com fendas abertas por todos os lados. As fortes chuvas foram responsáveis para fazer a cacimba desaparecer e, em seu lugar, surgiu uma enorme cratera que passaram a chamar de “Buracão Assombrado”. Isso mesmo, assombrado porque muitas coisas estranhas já foram vistas por lá de forma macabra. Um desses casos aconteceu da seguinte forma: Uma esquisita mulher, que não se sabe de onde ela vinha, deu de aparecer no pedaço sempre depois das seis da tarde para pedir da vizinhança um pouquinho de alimento para o sustento. A peregrinação tornou-se rotineira e as pessoas começaram a desconfiar da pidança porque a estranha visitante não tinha cara de mendiga, mas sim de uma pessoa bem vistosa e falante. No entender de todos, ela não precisava de esmolas e que seu ato não passava de uma grande farsa.
     Numa tarde, já entrando pela noite, uma dona de casa, intrigada com aquela situação, criou coragem e ficou na espreita da mulher pidona. Com o intuito de desmascará-la, sentou-se na porta da casa aguardando o momento oportuno. De repente! Fitou para a rua e, lá vem a mulher com quem desejava falar. Veio e parou bem na frente da casa onde a outra aguardava. Suavemente e sem levantar nenhuma suspeita, esboçou um sorriso e disse-lhe – “boa noite vizinha”- “pode ajudar-me hoje”? Inocentemente a dona da casa respondeu-lhe: - “ajudo, porém, quero saber onde é sua residência e, se realmente precisas de ajuda”.
     Altruísta, a mulher- do- além não mediu esforços. Com a voz aguda e macia lhe propôs o seguinte desafio: -“quer saber mesmo onde moro”? – “acompanhe-me, tenho certeza que não irá gostar da minha choupana”!  Naquele momento as duas começaram a caminhar varando ruas e becos até chegarem à beira do buracão. Então, a mulher corajosa lhe interrogou: -“onde é mesmo sua moradia”? E, sem preocupação alguma a sinistra mulher lhe respondeu: – “É aqui, filha, neste buracão”. “Aguarde um momento que já volto”. De imediato pulou buracão abaixo e ao voltar, haja susto! A mendiga se transformou numa horrível caveira gargalhando sarcasticamente com os olhos esbugalhados. Estonteada, a mulher corajosa foi perdendo a noção dos sentidos, ficando a rodar à toa feito pato em lagoa durante toda àquela noite, sem sair do lugar. Ao amanhecer foi socorrida pelos moradores que a levaram para casa. Depois do acontecido ela passou a ser perseguida pelo fantasma do buracão.
     Uma noite, quando estava lavando roupa no jirau do quintal, percebeu que as peças estavam sendo puxadas sorrateiramente. Imaginou que fosse algum cão vadio que por lá tinha passado e resolveu mexer nos seus pertences à procura de alimentos. Mesmo no afã, resolveu repreendê-lo dizendo: – “passa daí cão de uma figa”! E, sem medo algum, continuou seu afazer quando se deparou com um lindo vestido que não era de sua coleção. Quem teria lhe doado aquela veste? Não tinha explicação; o momento era de uma incógnita. Como o tecido era de marca, resolveu ficar com o mesmo para usar nas baladas. Noutra noite, pois era infalível lavar suas roupas sempre à noite, quando já estava terminando a lavagem pressentiu que a cena anterior se repetia. Alguém insistia em puxar os panos e, ao tentar certificar-se de quem estava fazendo aquelas travessuras, deparou-se com a mulher-caveira ao seu lado, que foi logo dizendo em voz mansa: – “ não estou aqui para assustá-la – “só quero fazer-te dois pedidos”: - “o primeiro é para nunca mais lavar roupas à noite e, o segundo, devolver o meu vestido para que eu possa  garantir um lugar seguro aos céus”. – “Prometes cumprir”? Sem restar outra opção, respondeu- lhe que sim. “Agora” – disse a mulher-fantasma. – “feche os olhos e conte até três para abri-los”. E assim foi feito. Quando seus olhos voltaram, o espectro já tinha se escafedido. Sem acreditar que aquilo era uma miragem a doméstica decidiu não contar nada ao marido e, desobedecendo ao trato, continuou a lavar os molambos sempre à noite.
     Noutra semana, achando que já estava livre daquela perseguição, resolveu enxaguar o vestido misterioso quando de súbito percebeu que a água do tanque estava agitada e, ao aproximar-se enxergou uma sombra humana no fundo do reservatório. Àquela figura apresentava-se de forma horripilante; seus olhos sangravam dando para ver bolhas saírem da boca. Parecia estar falando num tom irado, contra a mulher que lavava à noite. Sem destreza para reagir, a dona de casa ficou inerte, mirando incessantemente para o tanque. Naquela hora duas mãos emergiram de lá, puxando-a de ponta-cabeça para afogá-la. Seu esposo percebendo o barulho estranho dirigiu-se ao lavadouro e avistou a esposa agonizando-se dentro d’água, salvando-a imediatamente. Quando se recuperou do susto, contou tudo o que acontecera e jogou o vestido maldito lá no buracão, salvando-se daquela maldição. Dizem que as pessoas que deixam seus afazeres diários para realizá-los somente à noite, são fortes candidatas a presságios e a ver perversas aparições.


A COBRA OUROMANTE

A COBRA OUROMANTE
Autor Luís Sevalho

     Dizem que quando os índios Júris refugiaram-se para as cabeceiras do Rio Tefé, procurando se proteger da perseguição dos colonizadores portugueses, encontraram naquela região uma infinita riqueza de pedras preciosas, formando lá sua primeira maloca. Mais adiante, encontraram o lago dos espelhos repleto de diamantes controlado pelos Jurimáguas. Tentando proteger o território e suas riquezas, o pajé da tribo enfeitiçou um filhote de sucuri, colocando seu nome de Ouromante.
     Depois de enfeitiçada a cobra foi solta no rio Tefé com a missão de proteger seu povo de todos os males que viesse acontecer naquele lugar. Com o passar do tempo o xamã fez uma pajelança para saber da situação da serpente, já que nunca mais tinha ouvido falar do seu paradeiro. Durante a realização da magia observou no reflexo da água preparada com a resina da laca e jogada no igarapé, que a cobra Ouromante se transformou numa serpente gigante e para se proteger, escavou bem profundo o canal do rio Tefé. Também preparou três grandes poços subaquáticos para sua moradia; um deles fica na boca do igarapé da samaúma, o outro é o poço-espuma e o seu esconderijo preferido é a misteriosa ilhinha que fica perto da entrada do Tauarí, formando lá um sumidouro muito profundo.
      Os mistérios dessa pequena ilha é ainda um enigma e continua aguçando a imaginação de muitos navegantes. As pessoas não arriscam ficar lá nem mesmo para se protegerem de temporal. Certa noite, uma família que descia pelo Rio Tefé, resolveu pernoitar na assombrada ilha, amarrando seu batelão de treze metros no galho de um araparizeiro, enquanto faziam o gostoso café para esquentar o frio da madrugada. Inesperadamente o pequeno bote começou a navegar voluntariamente, sendo puxado pela ilha, descendo rio abaixo. Perplexos, todos ficaram sem entender o que estava acontecendo; sabiam que não se tratava de uma coisa normal; no entanto, nada podiam fazer, enquanto o barco continuava a singrar as águas do grande rio.
     Quando já se encontravam nas imediações do poço-espuma, o batelão começou arreigar, entrando água pela popa de tanta velocidade esboçado pela ilha; então, resolveram cortar o cabo, desprendendo-se da ilha que já à deriva foram encalhar nas barrancas do Açaituba, salvando-se todos. Abismados, presenciaram a ilha dar a volta, subindo contra a correnteza retornando ao mesmo lugar. O momento era mesmo de arrepiar.
     Outro caso macabro deste intrigante mistério aconteceu quando um prático puxador de barcaças,  conduzia petróleo do Urucu e no momento que passava rente a ilhinha, sentiu que a velocidade da balsa ia diminuindo, ficando quase parada totalmente: vários estrondos foram ouvidos lá no fundo do rio, em seguida fortes redemoinhos começavam a precipitar deixando a enorme balsa a mercê de turbulências que balanceava igualmente a uma canoa. O navegante ficou aturdido e chegou a entregar sua alma a Deus; porém conseguiu escapar com vida. No entanto, logo que chegou na cidade, demitiu-se do emprego, ficando traumatizado.
     Certo é que depois de uma semana que aconteceu o episódio, um rapaz por nome Chico Cabo que nunca quis acreditar nessas histórias malucas, montou seu Yamar de quatro HP sobre as costas da brutela quando passava pelo poço- espuma e depois de muitas orações conseguiu escapar da morte, tornando-se um ardoroso defensor da cobra Ouromante, protetora do Rio Tefé.


sábado, 22 de novembro de 2014

O Boto Flecheiro Tefeense

O BOTO FLECHEIRO TEFEENSE

Autor Luís Sevalho

      
    Se alguma mulher ficar grávida e não souber como justificar o acontecido, terá como solução colocar a culpa no boto. O safadinho não é outro senão o nosso peixe da Amazônia, senhor dos rios e muito conhecido dos Amazonenses. Mitologicamente traveste-se num excelente bailarino, geralmente vestido de marujo, dá uma bela “cantada” nas moças, seduzindo-as para o rio onde as engravida com muita sedução.
     Não há quem não acredite nesta história que contagia o caboclo amazonense. Em Tefé, nossos antigos contam que era comum o pescador ouvir músicas em ritmo de festa nas praias em noite de lua, onde os estranhos dançarinos quando percebiam aproximação de humanos, sumiam da festa e só eram vistos boiando nas águas em forma de boto.

     Até hoje, nas praias da Concha, Ponta Branca, Juliana, Itapoã, na enseada da praia do Turé e praia do Camaleão sempre acontece casos desse gênero, onde as moças misteriosamente ficam grávidas e não sabendo quem é o pai da criança tentam disfarçar a seus familiares que foram flechadas pelo boto Tucuxi da marca flecheiro que só existe em Tefé.

Origem de Tefé

ORIGEM DE TEFÉ

Autor Luís Sevalho
     
A aldeia de Tefé foi fundada inicialmente entre os anos de 1687-1688, pelo jesuíta austríaco Samuel Fritz que estava a serviço da Espanha. Os primeiros índios aldeados por Fritz foram os Uainumans (beija-flor), tribo júri, povo Axiuarí, além de outros povos como os Jurupixunas (boca preta) e os passés. Eles foram descidos do Japurá e agrupados às margens do Rio Tapi (Tefé) onde Samuel Fritz fundou a aldeia de Santa Teresa dos Axiuarís em Vila Valente lugar denominado de Tambaqui Paratu que quer dizer prato de tambaqui. A origem dessa cidade resultou das constantes lutas entre as duas Coroas (Portugal e Espanha) que através do tratado de Tordesilhas, dividiram o Brasil em duas partes. Depois dessas desavenças e a expulsão dos espanhóis da região, os carmelitas portugueses Frei André da Costa e Frei Baltazar da Madre de Deus ficaram administrando a Missão de Parauarí  que ficava em frente ao município de Alvarães (antiga Caiçara) onde juntou os índios sobreviventes das aldeias de Taiassutuba (bando de porco), próximo à Fonte Boa, com os de Saiassutuba (ilha dos veados) no Paraná do Machado, onde é hoje a comunidade do Marí-marí, formando uma só Nação. Devido o período da enchente do rio com alagações constantes das áreas habitadas, Frei André transferiu o povoado de Parauarí para Tambaqui-Paratu (Vila Valente) em 1712 na Boca de Tefé, onde misturou as etnias recém-chegadas com os povos Axiuarís.
     Somente em 1718, Frei André da Costa e todo seu povo indígena saíram da Vila Valente para fixar moradia às margens do lago de Tefé (Rio Tapi ou Tepé) onde juntaram-se ao povo Tupebas, formando uma nova missão, a de Santa Teresa dos Tubebas ou Tapibás. Do topônimo Tupebas vieram as variações Tapi, Tepé, Tephé, Teff’é e finalmente Tefé. Na língua geral o Nheengatú, Anísio Jobim afirma que os portugueses diziam que a palavra Rio Profundo quer dizer Tefé, porque deriva de Tapi ou Tepé que era o tronco linguístico falado pela extinta tribo dos Tupebas.
     O conflito entre portugueses e espanhóis levou a uma separação na chamada América Portuguesa, devido a grande extensão na área da parte Norte. As regiões Norte-Nordeste foram subdivididas em capitanias. Esta divisão determinava a expulsão dos espanhóis do território português e a elevação das aldeias em vilas fundadas pelos jesuítas, denominando e nomeando um diretor para cada vila e um administrador para cada lugar. Dominada pelos portugueses a aldeia de Tefé foi elevada à categoria de vila em 1759, com a denominação de Ega. Os tratados subsequentes (Madri - 1750, e Santo Ildefonso - 1777) não resolveram as questões territoriais do Norte do Brasil e, em 1855, a Vila de Ega tornou-se sede da Comarca do Solimões, com uma área de cerca de 500.000 km2.

     Dada a grande extensão de terras do município, dele foram desmembradas algumas vilas, dando origem posteriormente a novos municípios: Coari (1848), São Paulo de Olivença (1882), Fonte Boa (1891), Eirunepé (1894), Carauarí (1913), Maraã, Japurá, Juruá (1955), Uariní e Alvarães (1981). Lembrando que antes todos eles pertenciam a Tefé. O aniversário da majestosa cidade acontece no dia 15 de junho data de sua elevação à cidade pela Lei Provincial n° 44 de 15 de junho de 1855.