A
MULHER DO BURACÃO
Numa pacata cidade do Amazonas onde as
pessoas ainda têm o hábito de cumprimentar as outras quando se cruzam nas ruas,
aconteceu um intrigante mistério que até hoje causa muito remorso. Devido a
falta de água, os moradores resolveram escavar um buraco num terreno baldio,
fazendo lá um enorme cacimbão que jorrava água cristalina. O local virou atração dos comunitários que
sentiam-se felizes e aliviados com a fartura da água que dali retiravam para
saciarem a sede. E, assim, continuavam a usufruir do líquido precioso, sem
perceber que alguma coisa inesperada estava por acontecer com aquela fonte de
água doce.
De manhã, aproveitando o rebento do Sol,
uma senhora que chegou primeiro na cacimba avistou o corpo de uma mulher
flutuando na fonte. Assustada, correu para avisar os parentes que imediatamente retiraram o corpo já sem vida.
Daí por diante o cacimbão foi abandonado pelos populares que temiam a impureza da água para o consumo. Depois de vários meses do
ocorrido, percebeu-se que a terra tremia na área da cacimba, deixando todos
estarrecidos. O intenso abalo fez árvores desabarem; também ouviram estrondos
no subsolo parecendo que a terra estava se deslocando de um lugar para outro.
Quando a turbulência passou o local ficou
todo rachado com fendas abertas por todos os lados. As fortes chuvas foram
responsáveis para fazer a cacimba desaparecer e, em seu lugar, surgiu uma
enorme cratera que passaram a chamar de “Buracão Assombrado”. Isso mesmo,
assombrado porque muitas coisas estranhas já foram vistas por lá de forma
macabra. Um desses casos aconteceu da seguinte forma: Uma esquisita mulher, que
não se sabe de onde ela vinha, deu de aparecer no pedaço sempre depois das seis
da tarde para pedir da vizinhança um pouquinho de alimento para o sustento. A
peregrinação tornou-se rotineira e as pessoas começaram a desconfiar da pidança
porque a estranha visitante não tinha cara de mendiga, mas sim de uma pessoa
bem vistosa e falante. No entender de todos, ela não precisava de esmolas e que
seu ato não passava de uma grande farsa.
Numa tarde, já entrando pela noite, uma
dona de casa, intrigada com aquela situação, criou coragem e ficou na espreita
da mulher pidona. Com o intuito de desmascará-la, sentou-se na porta da casa
aguardando o momento oportuno. De repente! Fitou para a rua e, lá vem a mulher
com quem desejava falar. Veio e parou bem na frente da casa onde a outra
aguardava. Suavemente e sem levantar nenhuma suspeita, esboçou um sorriso e
disse-lhe – “boa noite vizinha”- “pode ajudar-me hoje”? Inocentemente a dona da
casa respondeu-lhe: - “ajudo, porém, quero saber onde é sua residência e, se
realmente precisas de ajuda”.
Altruísta, a mulher- do- além não mediu
esforços. Com a voz aguda e macia lhe propôs o seguinte desafio: -“quer saber
mesmo onde moro”? – “acompanhe-me, tenho certeza que não irá gostar da minha
choupana”! Naquele momento as duas
começaram a caminhar varando ruas e becos até chegarem à beira do buracão.
Então, a mulher corajosa lhe interrogou: -“onde é mesmo sua moradia”? E, sem
preocupação alguma a sinistra mulher lhe respondeu: – “É aqui, filha, neste
buracão”. “Aguarde um momento que já volto”. De imediato pulou buracão abaixo e
ao voltar, haja susto! A mendiga se transformou numa horrível caveira
gargalhando sarcasticamente com os olhos esbugalhados. Estonteada, a mulher
corajosa foi perdendo a noção dos sentidos, ficando a rodar à toa feito pato em
lagoa durante toda àquela noite, sem sair do lugar. Ao amanhecer foi socorrida
pelos moradores que a levaram para casa. Depois do acontecido ela passou a ser
perseguida pelo fantasma do buracão.
Uma noite, quando estava lavando roupa no
jirau do quintal, percebeu que as peças estavam sendo puxadas sorrateiramente.
Imaginou que fosse algum cão vadio que por lá tinha passado e resolveu mexer
nos seus pertences à procura de alimentos. Mesmo no afã, resolveu repreendê-lo
dizendo: – “passa daí cão de uma figa”! E, sem medo algum, continuou seu afazer
quando se deparou com um lindo vestido que não era de sua coleção. Quem teria
lhe doado aquela veste? Não tinha explicação; o momento era de uma incógnita.
Como o tecido era de marca, resolveu ficar com o mesmo para usar nas baladas.
Noutra noite, pois era infalível lavar suas roupas sempre à noite, quando já
estava terminando a lavagem pressentiu que a cena anterior se repetia. Alguém
insistia em puxar os panos e, ao tentar certificar-se de quem estava fazendo
aquelas travessuras, deparou-se com a mulher-caveira ao seu lado, que foi logo
dizendo em voz mansa: – “ não estou aqui para assustá-la – “só quero fazer-te
dois pedidos”: - “o primeiro é para nunca mais lavar roupas à noite e, o
segundo, devolver o meu vestido para que eu possa garantir um lugar seguro aos céus”. – “Prometes
cumprir”? Sem restar outra opção, respondeu- lhe que sim. “Agora” – disse a
mulher-fantasma. – “feche os olhos e conte até três para abri-los”. E assim foi
feito. Quando seus olhos voltaram, o espectro já tinha se escafedido. Sem
acreditar que aquilo era uma miragem a doméstica decidiu não contar nada ao
marido e, desobedecendo ao trato, continuou a lavar os molambos sempre à noite.
Noutra semana, achando que já estava livre
daquela perseguição, resolveu enxaguar o vestido misterioso quando de súbito
percebeu que a água do tanque estava agitada e, ao aproximar-se enxergou uma
sombra humana no fundo do reservatório. Àquela figura apresentava-se de forma
horripilante; seus olhos sangravam dando para ver bolhas saírem da boca.
Parecia estar falando num tom irado, contra a mulher que lavava à noite. Sem
destreza para reagir, a dona de casa ficou inerte, mirando incessantemente para
o tanque. Naquela hora duas mãos emergiram de lá, puxando-a de ponta-cabeça
para afogá-la. Seu esposo percebendo o barulho estranho dirigiu-se ao lavadouro
e avistou a esposa agonizando-se dentro d’água, salvando-a imediatamente.
Quando se recuperou do susto, contou tudo o que acontecera e jogou o vestido
maldito lá no buracão, salvando-se daquela maldição. Dizem que as pessoas que
deixam seus afazeres diários para realizá-los somente à noite, são fortes
candidatas a presságios e a ver perversas aparições.