domingo, 29 de janeiro de 2017

O BICHO DO PÉ PESADO

O BICHO DO PÉ PESADO
Luís Sevalho
          




       No ano de1980 quando a Serragro Indústria e Reflorestamento finalizou suas atividades no km 200 da BR-174, um casal que ficou na vila dos funcionários passou por letargia mágica por escutar andares misteriosos que estremecia a casa. A comunidade do Abonarí não existia e o Ramal do Serragro só tinha 2 km de área construído. Pois era no final dele que a mesura passava duas vezes na semana em noite escura e escafedia-se nos escombros da antiga serraria. Quem teve coragem de filmar suas características afirma que a fera aparentava um híbrido humano. Os pés eram enormes com olhos fogueados e peito de aço; as costas continham serras e parecia alimentar-se de cadáveres. Transformava-se em figuras bizarras com mutações constantes para surpreender predadores. Em situação de perigo, pisava tão forte que o chão tremia tipo explosão de dinamite. O grito era ensurdecedor e quem ouvisse podia ter o sangue coalhado imediatamente.
          A família em apuros pensou em desistir do trabalho que fazia nas fazendas de gado. Até então as mais próximas ficava há quilômetros de distância e não tinham transporte. Saíam de madrugada para roçar juquira, única atividade agrícola que garantia o sustento. Para livrar-se da perseguição macabra, a estratégia era dormir na fazenda, só retornando ao lar nos finais de semana. Quando estavam em casa e a noite chegava, recolhiam-se cedo; trancavam tudo e caíam em oração para evitar um encontro casual e fatal com o aborígene que o rotularam de Bicho do Pé Pesado.
          O fenômeno não tinha explicação, porém contam que o mapinguari ordenou a todos os guardiões da floresta que impedissem o desmatamento da Amazônia. Muitos foram para o Distrito de Pitinga, assombrar os exploradores do minério enquanto que o Rio Uatumã e seus afluentes ficariam sob a guarda do Pé Pesado. A intensão do pré-histórico era criar empecilho para barrar a construção da Hidrelétrica de Balbina, pois a caverna onde morava estava preste a inundar e transformar-se em cacaia. Os índios eram seus aliados e juntos lutavam para salvar seus territórios. No entanto, o projeto desenvolvimentista continuava avassalador e Pé Pesado da espécie Sasquatch Bunyip precisava agir, não só em defesa própria, como também para proteger o ecossistema ameaçado.                                                                                                                             Recorreu à natureza e conseguiu apoio dos deuses Anhangá e Jurupari que aconselharam agir secretamente para afugentar malfeitores. Seu cuspe gelatinoso grudava no corpo dos engenheiros, dos sismógrafos e dos topógrafos. Tomados por toda sorte de doenças eles abandonavam a frente de batalha. Por onde a criatura passava mesmo sem vê-lo, as pessoas sentiam mal-estar, enjoos, e ao dormir sofriam pesadelos e sonhos terríveis. Os homens fofoqueiros escondiam-se do desnaturado temendo que ele arrancasse suas línguas. As mulheres já enfeitiçadas perdiam o controle familiar e caíam na bagaceira.
          Pé Pesado não dava sossego aos inimigos da floresta. Agiu assim por muito tempo na região de Presidente Figueiredo tentando manter as corredeiras, as cavernas os rios, tudo de forma bem natural e saudável. Todavia foi vencido em sua manifestação ecológica.  O desejo federal falou mais alto e o Rio Uatumã foi modificado. A inundação de Balbina mudou a vida das pessoas, das plantas dos animais e, por conseguinte, levou a sua expulsão para outro lugar. Desolado o protetor ambiental devolveu seus poderes aos deuses e retirou-se em busca de um refúgio onde não encontrasse tanta maldade humana.
          Escolheu o Ramal do Serragro para se alojar ficando a proteger as riquezas minerais que existem submersas na Lagoa da Léa e na Gamboa. Dizem que durante o tempo que lá ficou muitas marmotas lhe acompanharam; porém, todas inofensivas porque ele era uma figura do bem e um verdadeiro defensor da nossa floresta. Quando deram continuidade na extensão do Ramal para a construção dos diques, o Bicho temendo uma nova inundação desapareceu e ninguém sabe para onde ele foi.


A COBRA OUROMANTE

A COBRA OUROMANTE
 Luís Sevalho


     
    
Dizem que quando os índios Júris refugiaram-se para as cabeceiras do Rio Tefé, procurando se proteger da perseguição dos colonizadores portugueses, encontraram naquela região uma infinita riqueza de pedras preciosas, formando lá sua primeira maloca. Mais adiante, encontraram o lago dos espelhos repleto de diamantes controlado pelos Jurimáguas. Tentando proteger o território e suas riquezas, o pajé da tribo enfeitiçou um filhote de sucuri, colocando seu nome de Ouromante.
     Depois de enfeitiçada a cobra foi solta no rio Tefé com a missão de proteger seu povo de todos os males que viesse acontecer naquele lugar. Com o passar do tempo o xamã fez uma pajelança para saber da situação da serpente, já que nunca mais tinha ouvido falar do seu paradeiro. Durante a realização da magia observou no reflexo da água preparada com a resina da laca e jogada no igarapé, que a cobra Ouromante se transformou numa serpente gigante e para se proteger, escavou bem profundo o canal do rio Tefé. Também preparou três grandes poços subaquáticos para sua moradia; um deles fica na boca do igarapé da samaúma, o outro é o poço-espuma e o seu esconderijo preferido é a misteriosa ilhinha que fica perto da entrada do Tauarí, formando lá um sumidouro muito profundo.
      Os mistérios dessa pequena ilha é ainda um enigma e continua aguçando a imaginação de muitos navegantes. As pessoas não arriscam ficar lá nem mesmo para se protegerem de temporal. Certa noite, uma família que descia pelo Rio Tefé, resolveu pernoitar na assombrada ilha, amarrando seu batelão de treze metros no galho de um araparizeiro, enquanto faziam o gostoso café para esquentar o frio da madrugada. Inesperadamente o pequeno bote começou a navegar voluntariamente, sendo puxado pela ilha, descendo rio abaixo. Perplexos, todos ficaram sem entender o que estava acontecendo; sabiam que não se tratava de uma coisa normal; no entanto, nada podiam fazer, enquanto o barco continuava a singrar as águas do grande rio.
     Quando já se encontravam nas imediações do poço-espuma, o batelão começou arreigar, entrando água pela popa de tanta velocidade esboçado pela ilha; então, resolveram cortar o cabo, desprendendo-se da ilha que já à deriva foram encalhar nas barrancas do Açaituba, salvando-se todos. Abismados, presenciaram a ilha dar a volta, subindo contra a correnteza retornando ao mesmo lugar. O momento era mesmo de arrepiar.
     Outro caso macabro deste intrigante mistério aconteceu quando um prático puxador de barcaças,  conduzia petróleo do Urucu e no momento que passava rente a ilhinha, sentiu que a velocidade da balsa ia diminuindo, ficando quase parada totalmente: vários estrondos foram ouvidos lá no fundo do rio, em seguida fortes redemoinhos começavam a precipitar deixando a enorme balsa a mercê de turbulências que balanceava igualmente a uma canoa. O navegante ficou aturdido e chegou a entregar sua alma a Deus; porém conseguiu escapar com vida. No entanto, logo que chegou na cidade, demitiu-se do emprego, ficando traumatizado.
     Certo é que depois de uma semana que aconteceu o episódio, um rapaz por nome Chico Cabo que nunca quis acreditar nessas histórias malucas, montou seu Yamar de quatro HP sobre as costas da brutela quando passava pelo poço-espuma e depois de muitas orações conseguiu escapar da morte, tornando-se um ardoroso defensor da cobra Ouromante, protetora do Rio Tefé.


O HOMEM QUE SÓ DIZIA HÃO

O HOMEM QUE SÓ DIZIA HÃO
Luís Sevalho

          


        O caso aconteceu com um caboclo amazonense, irmão do Johão que duvidando de tudo saiu para pescar numa noite de halloween e lá pelas tantas encontrou numa praia a cabeça da maldição que perambulava sem destino e parecia dizer hão. O ingênuo, ao invés de se mandar, passou a persegui-la e não lucrando êxito foi enfeitiçado por aquela assombração. A pescaria não deu em nada e quando chegou em casa a esposa percebeu que ele só dizia hão. 
          A mulher saiu atônita pedindo auxílio aos vizinhos para resolver a situação. No entanto, ficou muda e junto ao marido só diziam a palavra hão que foi passando para os filhos, aos amigos e até ao meu irmão . A moda ganhou repercussão viralizando no hão; em poucos minutos a vila já entoava esse refrão:
          Hão, hão, hão, foi no irmão do Johão,
           Hão, hão, hão, o feitiço da assombração,
           Hão, hão, hão, já estou com a maldição.      
            A notícia chegou à cidade tomando conta do povão; nas redes sociais só se falava no hão. Até no Club de forró dançavam o ritmo hão. Na escola o professor dava aula só no hão; já nos fones de ouvido só se escutava o hão. A vovó de oitenta anos balanceava no hão; o padeiro, o motorista, o sorveteiro, o coveiro e o motoqueiro também entraram no hão; até quem ler essa história vai dar um nó na garganta e dizer somente hão.
          Os moradores de onde tudo começou mudaram o nome do povoado para Vila do Hão e as pessoas que entoarem este refrão terão como castigo acrescentar no primeiro nome a grafia hão. Agora diga seu nome acrescido do hão!
          A partir do acontecido por onde se andava ninguém queria ver o parente do Johão temendo contaminar-se com o vírus da maldição.


CIDADE MORENA DA BR-174

CIDADE MORENA DA BR-174
Luís Sevalho


Presidente Figueiredo
Tu brilhas no meu olhar
Teus atrativos turísticos
São ricos em comentar
Terra das Cachoeiras
Lugar mais lindo não há.

Na Bela Iracema Falls
Não posso deixar de ir
Lagoa Azul e Orquídea
Vou deixar a vida fluir
Escalar o Salto do Ypi
E refrescar no Urubuí.

Durante tua formação
Muita coisa aconteceu
Nos conflitos silenciosos
O índio por ti morreu
Esta luta de resistência
A história escondeu.

Pujante Morena da BR-174
Cidade que sempre quis
Pinta os nossos corações
Com teu bioma verde lis
Mostra ao mundo a bravura
Deste honrado povo feliz