domingo, 22 de fevereiro de 2015

FRANZINO E A ONÇA D’ÁGUA

FRANZINO E A ONÇA D’ÁGUA

Autor Luís Sevalho

  Desenho: Raimy Ribeiro


Franzino era um pescador destemido, estava sempre pronto para enfrentar os perigos do lago, a procura de peixes fresquinhos para vender a população. Todas as vezes que armava uma pescaria, já comercializava antecipado, as várias espécies de peixes que ia trazer porque tinha certeza que no lago do Fundão, jamais deixaria passar vergonha. Desta vez, sempre solitário, o valente Franzino saiu cedo para fazer a pescaria numa área íngreme de matupazal no dito lago. Já era tarde da noite e a madrugada chegava quando a barriga de Franzino reclamou pela falta de alimentos, haja vista ter saído de casa no rabetinha antes do dia amanhecer e como é de costume, o pescador quando sai para o marisco só leva consigo uma garrafinha de café; quando leva.
Como os sucessivos goles do mate eram insuficientes para enganar a fome, resolveu então fazer um assado na restinga, sabendo que a sobra do peixe serviria para alimentar outros animais que por ali já estavam na espreita querendo também fazer o bom proveito. Do porão da velha igara retirou só aqueles peixes graúdos para colocar no moquém, cuidando logo de cortar a lenha para fazer o fogaréu.
Na hora do baco-baco, Franzino percebeu que a restinga tremia.  Resolveu focar na água, detectando inúmeras borbulhas que emergiam, tomando conta de todo anhingal. Os lagos mais próximos como o Redondinho, o Cortiça e o lago do Cipó estavam todos com as águas fervilhando; cardume inteiro de peixes pulavam fora d’água de forma desordenada querendo avisar que algo estranho estava por acontecer. Neste momento a fome passou e o coração do bravo pescador disparou. Olhando abismado com os olhos quase querendo sair do globo ocular, percebeu que a água do matupazal subia e descia freneticamente, deixando o pescador atônito, sem saber o que fazer.




Macabro e sem opção, a solução tomada em segundos foi subir numa árvore de tachizeiro sem se importar com as mordidas dos guardiões dessa árvore. De lá, olhando para todos os lados, começou a observar o que iria ocorrer naquele momento de pânico.
Quando aparentemente tudo parecia normal, Franzino, num esforço redobrado conseguiu ver um casal de onças d’água que tinham o formato de ariranhas em tamanho dobrado saindo repentinamente de trás de uma Sapopemba e partiram furiosamente em direção à canoa que não foi devorava porque um jacaré de sete metros impediu o ataque, colocando-se na frente das onças e foi devorado violentamente pelas felinas aquáticas. Tudo era assistido pelo pescador do galho da árvore que enervado em calafrios, mal podia se mexer.
Antes de o dia amanhecer e já saciadas pelo jantar do jacaré, as onças- d água começaram a brincar, atirando água para cima com suas longas caldas atingindo quase três metros de altura. Dizem que a altura que a água atinge é a mesma distância que ela salta no ar.
O odor exalado das axilas do pescador fez a onça-fêmea perceber que tinha sangue humano no pedaço. Ela franziu a testa destoou vários esturros que foram ouvidos nos lagos mais distantes como o lago do Mamede, lago do Júlio e lá no Poço do Matos. Os urros eram tão fortes que o eco parecia sair do fundo dos lagos. Mas não conseguiu enxergar o seu rival. Porém ficou de orelha retesa tentando localizar o pescador que nessas horas já invocava mais de cento e cinquenta santos para se livrar do perigo.
Quando o dia amanheceu, as onças colocaram-se em fila dando a entender que já iam se retirar, quando uma pigarra obrigou Franzino a concertar a garganta, fazendo elas enfurecerem-se e começar a perseguição contra o pescador. Elas só não subiram na árvore porque suas mãos em forma de nadadeira não lhes permitiam esse avanço, restando apenas ficarem prostradas em vigília no tronco do arbusto por tempo indeterminado.

Já pela tarde a onça-macho resolveu retirar-se, deixando de plantão a fêmea que se revezava no tronco do tachizeiro esperando o pescador cansar, sentir fome e sede até desmaiar e cair para ser devorado por elas. Franzino percebeu que teria vários dias de sofrimentos. Então, teve uma ideia genial falando uma linguagem cabalística. – kssalabá - o que fez a onça colocar os ouvidos para cima tentando entender. Disse ele à rainha dos anhingais que se ela o deixasse em paz comprometia-se a não invadir os lagos de preservação e nunca mais praticaria a pesca predatória. A onça entendeu o recado e deu no pé toda faceira balançando a cabeça num sinal de positivo.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

O PÁSSARO QUE NÃO APRENDEU DIZER ADEUS

Inédito

O PÁSSARO QUE NÃO APRENDEU DIZER ADEUS

Autor: Luís Sevalho
     


      Um índio tupeba caminhava pela floresta, quando se deparou com um pássaro ferido. Prontamente levou-o para a aldeia, prestando-lhe os primeiros socorros. Em pouco tempo a ave já estava revigorada e os dois ficaram amigos inseparáveis. O convívio harmonioso com o aborígene era de vida livre, porque mesmo dominado pelo silvícola, o pássaro manteve o equilíbrio com a natureza. Tinha a liberdade de voar em qualquer miragem, molhar o bico no igarapé natural, inspirar sonhos e poder dormir sem temer predadores. Junto às outras aves, vivia feliz florescendo a vida a todo instante no imenso bioma amazônico.
     Ninguém sabia, mas ele possuía poderes da transgressão e dominava a força da imaginação, guiado por deuses estelares. O mensageiro celeste tinha a missão de espalhar a felicidade a todos os seres vivos até atingir a plenitude humana. Buscava no mito da origem um guia espiritual para combater a fúria dos maus, abrandar corações de quem faz a guerra e semear a paz.
     Seu habitat foi aniquilado pelo desmatamento incauto dos homens. Era preciso modificar a consciência humana para equilibrar o ambiente antes da queda da última árvore ou da contaminação do último manancial. Em presságio lutava incessante para salvar a floresta que ronca e suplica. A grande incógnita era se comunicar com as pessoas, pois não entendiam sua linguagem, nem seus gestos. Buscava esperança entre o verde para chegar aos humanos com humildade, assim como fazem as crianças na inocência de um sorriso. Estava ciente que um dia ressoaria alegria em todas as faces, legando amor e conhecimento em um revoar sem fim.
     O índio o alimentava em vasos e, às vezes a comida era servida sobre pedaços de papel colocados entre os galhos das árvores. Na manhã observou que o pássaro recusava o alpiste da vasilha, priorizando os alimentos servidos no papel. Ele fingia alimentar-se ali, porque seu sustento mesmo estava na relva in natura. Num descuido, plaff, o alimento era jogado do papel e o pássaro em gesto misterioso psicografava frases enigmáticas que finalizavam em formato de coração. Depois os rabiscos eram guardados no ninho-arquivo feito com vergônteas perfumadas, escondido há alguns quilômetros dali.
     Chegava o momento do ser híbrido, portador de poderes inimagináveis, emitir o primeiro sinal de comunicação com os humanos. O índio não entendeu e recorreu ao xamã que pajeando o bilhete, informou que a ave em transe evocava a alma de um jovem chamado Apiá, filho do xamã que lhe dava poderes para voar além dos limites da vida e também retornar. Novamente o curandeiro ordenou que o mitológico mostrasse seu ninho secreto para esclarecer todos seus mistérios e assim foi feito.
     As frases direcionavam-se aos terráqueos, informando que as aves tiveram participação na criação da humanidade. As outras continham fórmulas prontas de gestão participativa para salvar municípios em atraso econômico ou em situação de desordem social. Na fabulação mítica, o ancestral previa a modernidade do município de origem com celeiro cultural avançado, polos universitários e reservas petrolíferas. Alguns poços com gás natural receberiam nomes de plantas, de pássaros e de santos católicos transformando a cidade na mais rentável do interior.
     O poder cosmogônico da ave despertou interesse político. Alguns prefeitos formaram gigantescas caravanas para encontrar, na mata fechada, o pássaro anônimo, angariador de poderes mágicos que “desencalharia” suas falidas administrações municipais. Faziam até previsão de que se o encontrasse trancá-lo-iam em seus gabinetes como conselheiro de gestão.
     Após dias de busca no coração da floresta, avistaram o alado pousado numa muiraquitã ouvindo o atraente canto do Uirapuru acompanhado de outras espécies que gorjeavam alegremente em sinfonia receptiva. Ao aproximarem-se dele, todos ficaram envoltos num banho mágico, mitigando seus pensamentos. Durante a vertigem, suspensos no ar, puderam ver os erros cometidos em suas gestões públicas. O Clã revoou o Céu e ao voltar aconselhou a todos para voltarem renovados às suas bases e a cumprirem piamente o que ficou acordado.

     Intrigado com tantas mazelas, o pássaro fechou a cortina do tempo e alçou voo para o desconhecido, deixando um bilhete no ombro do pajé que dizia:... “não aprendi dizer adeus, voltarei sempre”.

A CARA FURADA DE CATIMBUM

Inédito

A CARA FURADA DE CATIMBUM
                                 Autor  Luís Sevalho     

     


   Catimbum era um adolescente muito sapeca que vivia ocioso numa cidade metropolitana do Amazonas. Tinha o olhar arrogante que amedrontava qualquer pessoa. Detestava os familiares e só andava no meio de más companhias. A escola, que seria a esperança de torná-lo um cidadão, há tempo abandonou e a convivência com a família era só para causar aborrecimentos. Tentando recuperá-lo da rebeldia, seus pais mandaram o moleque morar com a avó lá no interior. Por lá, longe da rua, ele se ajeitou tornando-se um menino exemplar. Para a avó, era considerado um neto muito obediente.
     Um dia a avó foi fazer compras na cidade, deixando o menino sozinho, pois não demoraria voltar. De fato, não demorou e ao retornar encontrou o pirralho febril com dores no corpo. Preocupada o internou numa casa de saúde para observação.  Noutro dia recebeu a notícia que o neto foi a óbito. Ela ficou tresloucada pelo golpe da perda e, passado alguns dias, retornou ao sítio. Mas, o convívio não era o mesmo. Havia um vazio. Foi então que num gesto desesperador passou a chamar o neto todos os dias para vir almoçar com ela. Era inadiável rodear a casa e chamar pelo nome do morto. – “Catimbum, meu filho venha já almoçar”! – “ainda não almocei, venha”! Assim agia para ver se ele voltava ao mundo físico.
     Depois de alguns meses, talvez pelo mau agouro em perseguir seu nome e não deixá-lo em paz ele começou aparecer em forma de assombração no terreiro da casa onde as crianças brincavam de pato-cego. Uma delas viu a aparição aproximar-se com a cara toda furada, olhos estupidamente vermelhos, parecendo um vampiro irado. Seu corpo estava desfigurado, coberto por larvas que exalava odor insuportável. O susto foi tão grande que uma das crianças que o viu foi perdendo o sentido e desmaiou.   
     Em sonhos, conversou com a visagem, que pediu para chamá-lo de Cara Furada, afirmando que sua missão neste mundo seria muito perversa. Procurava pessoas malcriadas com os pais, avós, tios, vizinhos e também aquelas viciadas na internet, whatsapp, joguinhos e que não obedecem a seus professores. Em voz de trovão advertiu: - “Minha maldição chegará ao fim quando meninos e meninas abrandarem seus corações ficando todos bonzinhos e estudiosos”. Depois que as crianças escutaram esta história de horror, todos se comprometeram que não faltariam mais às aulas, que fariam as tarefas escolares, obedeceriam a seus pais e avós, escovariam os dentes e ficariam bem obedientes.

   Se você é desse time, que não gosta de obedecer a ninguém, cuidado com o Catimbum porque ele é o retrato do capeta. Gosta de aparecer no terreiro de casa para judiar dos animais, joga pedras em quem passa e azucrina os teimosos. Se duvidar, terá a vida atormentada, porque ele tem poderes para transformar a gente noutro Cara Furada mais horripilante ou numa marmota agourenta que andará sem destino pelos ramais em noite de lua assombrando a todos. Quem for amaldiçoado só descansará quando cair em um enorme caldeirão de fogo.

A INTRIGANTE HISTÓRIA DO CHUPA-CABRA

A INTRIGANTE HISTÓRIA DO CHUPA-CABRA

Conto de um agricultor

Autor Luís Sevalho




                    Desenho Raimy Ribeiro

Meu amigo aqui presente
Suspire sem sentir dor
Seja forte e destemido
Tranque os dentes de horror
Com esse intrigante mistério
Que comigo se passou.

Na comunidade aqui próxima
Onde vivo a morar
Vi uma coisa doutro mundo
Difícil até de explicar
Pois toda vez que lembro
Dá vontade de chorar.

Eram três horas da tarde
Quando parei de roçar
Falei à minha família
Que ia sair pra caçar
Capturar lá na mata
Uns “bichinhos” para jantar.

Pela trilha central
Comecei a caminhar
Fazia total silêncio
Para a caça não espantar
Pisava leve na folha
Para ela não estalar.



Na minha frente, no caminho
Tinha um pau atravessado
Sentei-me em cima do âmago
Deixando a espingarda ao lado
E, olhando para baixo
Vi um rastro de veado.

Fui seguindo as pegadas
Sem nenhuma ilusão
Quando lá em uma árvore
Foi direta minha visão
Avistei um bicho feio
Parecendo a maldição.

A cabeça era de arraia
Fedorento que só timbu
Tinha a camisa de argolas
E o corpo de couro cru
Suas pernas eram cinzentas
Pareciam as de urubu.

Calculei trinta e seis pernas
Naquele animal selvagem
Deveria ter até mais
Pois contar, faltou coragem
Num instante meditei:
- Meu Deus, é uma miragem.

Recuei entre a folhagem
Para o “monstro” não me ver
Minhas pernas tremiam
Não dando para correr
Porém, deitei-me no chão
Dando para me esconder.

Entre as folhas de cantá
Vi o monstro descomunal
Comecei a observar
O movimento do animal
Dos olhos saía fogo
Que incendiava o matagal.

Por onde se encostava
Ia ficando logo a marca
Tinha vinte carreiras de dentes
Afiados como uma faca
E oito carreiras de peitos
Parecidos com os de vaca.


Da calda até a cabeça
Era composto de serra
O grunhido que fazia
Era de bode quando berra
Quando o monstro se mexia
Eu sentia tremer a terra.

Acompanhavam dez chifres
Na cabeça dessa fera
As unhas bem pareciam
Com as de patas de pantera
Eu nunca pensei de ver
Uma aparição como aquela.

O monstro saiu andando
Num grunhido sem igual
Eu também saí de leve
Seguindo aquele animal
Que sumiu da minha vista
Atrás de um imbaubal.

Dei um suspiro forçado
Tentando me refazer
Da terrível aparição
Só a vendo para crer
Nessa hora eu pensava
- É triste o meu padecer:

Tentei enfrentar o perigo
E o mistério desvendar
Varei no campo do gado
E de longe deu pra enxergar
Um carneiro desmaiado
E um filhote a berrar.

O carneiro já arqueado
Teve o cérebro arrancado
No corpo não tinha nada
Nem se quer um arranhado
Também tinha uma vaca
Com o miolo decepado.

O filhote descontente
Insistia a berrar
Chorava e corria atônito
Como querendo avisar
Que o bicho misterioso
Escorava-me no olhar.


Resolvi pegar o filhote
Para tentar consolar
Qual foi triste meu destino
Quando atrás ouvi chiar
E, quando quis me virar
Senti o monstro agarrar.

Criei força e coragem
Igualmente a do Sansão
E tentei acertar um soco
Na enorme aparição
Mas, o monstro depravado
Suspendeu-me pelo calção.

Fui subindo lentamente
Sem defesa para lutar
Pendurado pelo calção
Não tinha como escapar
Parecia uma tucandeira
Na língua do Tamanduá.

Resolvi fazer uma prece
Pedindo ao meu criador
Livrai-me desse maligno
Com sua força do amor
Mas, se for uma mensagem
Eis-me aqui, ó Senhor.

Aí, o monstro gemeu
Como sentindo uma dor
Colocou-me lá no chão
E numa voz estrondou
A restinga se tremeu
Aí o monstro falou:

- Quer saber meu nobre nome?
Veja bem como que sou
Me chamo de Chupa-Cabra
Rei das trevas e do pavor
Estou marcando neste mundo
Os que não têm mais amor.

- Lúcifer, o meu supremo
Anda muito atarefado
Senão estava comigo
Espalhando ódio e pecado
Mas, me deu o seu carimbo
Para carimbá adoidado.


- No carimbo tem os números
Seiscentos e sessenta e seis
Que misturado à estricnina
Com a pena da galinha pedrês
Fica pronta a maldição
Que vou selar em vocês.

Escutei as profecias
Sem que pudesse piscar
Meu corpo todo tremia
Sem eu sair do lugar
Preso numa força estranha
Era o jeito concordar.

No seu último segredo
O monstro desapareceu
Resolvi apalpar meu corpo
Confirmando se era eu
E num instante, em segundos
Minha vista escureceu.

Quando fui me recordar
Desse mistério intrigado
Já estava rodeado
Dos parentes ao meu lado
Que me trouxeram aqui
Para contar o fato passado.

Chega ao fim essa história
Com o suspense ainda no ar,
Será que o Chupa-Cabra
Aparece em todo lugar?
Se for verdade que existe

Ele ainda vai te pegar!!!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

ÍNDIO PATUÁ

ÍNDIO PATUÁ

Autor Luís Sevalho



Desenho Raimy Ribeiro


Patuá era um índio tapiba que viveu em Tefé logo que Ega se transformou em cidade. Era muito experiente em caçadas selvagens. Vivia o tempo todo à procura das embiaras que servia de alimentação para seu povoado. Morou em várias localidades adjacentes ao município, como o Piraruaia, Tauarí e Moquental; neste último, fixou residência por muito tempo.
Quem o via pela primeira vez, estranhava seu jeito esquisito dado ser de aparência muito estranha. Era moreno, corpo roliço sem talhe. Porém era muito bondoso e querido por todos. Sua excessiva experiência na arte de caçar animais silvestres dispensava qualquer comentário.
Quando queria saber onde estava o bando de queixada (porco do mato), ou se alguém estava a caminho da vila, patuá usando de sua arte indígena, colocava os ouvidos rente ao chão, distribuía sorriso e dizia: - “tá chegando gente da cidade no povoado”. Ou então, falava: - “tem um bando de porcos nas proximidades da itaubeira” e assim por diante. Quando se tratava de porcos, antas e veados, o velho índio já saía em disparada, embrenhando-se na mata, sem fazer caminho para encontrar suas presas. Sua arma principal era a espingarda alemã chamada “noiva”, devido o brilho dado a ela todos os dias por ele. Na volta de suas aventuras já era certo a distribuição de carne fresca a todos que o aguardava.

A comunicação ouvido-terra fazia de Patuá uma espécie de guru - adivinhão, ganhando confiança de todos principalmente de caçadores que para não se perderem na selva, usavam o experiente índio como matreiro. Sua profissão era a caça; nunca plantou uma maniva.  A noite, a minúscula vizinhança rodeava ao lado dele para escutar lindas histórias de sua tribo. Invocava o mito do boitatá, mapinguarí, caiçara e descrevia com muito orgulho a vida de sua sobrinha, a índia Caboré que se transformou numa castanheira, símbolo do município.
Certa feita, Patuá saiu de casa para escorar antas no chupador central do Tauarí. Mucuta nas costas, espingarda sobre os ombros, lá foi ele amarrar sua rede-moitá ao lado do místico lugar.
Minutos depois apareceu a primeira anta, sendo recepcionada com um balaço da alemã, caindo em cima do rastro. Patuá continuou inerte após o tiro, aguardando outras antas aparecerem quando percebeu um estranho homem focando lá em baixo, entre as árvores; parecia cuidar do chupador. Depois de alguns segundos Patuá foi surpreendido com um clarão de luz, ficando assustado no que estava vendo. Ele permaneceu quieto até a luz se desfazer.
Porém, nada com ele aconteceu. Mais tarde, o assombrado lugar dava sinal de visita; resolveu focar enxergando dois animais na aparência de cavalo que chupavam lama salgada e que num gesto de liberdade, levantavam a cabeça no ar, expondo enormes dentes. O velho índio percebeu que não era coisa desse mundo. Jamais tinha visto em toda sua vida, cavalos selvagens em chupador de anta; mesmo assim não perdeu o entono de bom caçador, liberando dois tiros nas supostas aparições.
Quando silenciou o estampido, focou novamente vendo um cavalo em delírio; o misterioso mastodonte saltava enfurecido, tombando as árvores ao seu redor e decepando-as com seus enormes dentes já esvaído em sangue devido aos efeitos dos tiros.
Patuá desceu da rede onde estava amoitado e partiu para o confronto com a fera, tentando segurar pelo rabo e jogá-lo ao chão. Quando se aproximou foi alvejado por um coice que o fez perder o sentido; mal pôde ver o animal afastando-se dele, ficando lá a dormir por dois dias até ser resgatado por populares que saíram a sua procura.
Retornando para casa, Patuá parecia sonâmbulo, falava descontrolado e dizia que queria se encantar. Depois desse acontecimento passou o tempo todo fora do normal. O destino dele era querer embrenhar-se na mata; até que um dia fugiu para a selva e nunca mais foi visto por ninguém. Tempos depois suas vestes foram encontradas no pé de um patuazeiro que nasceu no meio do chupador central do Tauarí.


TRIBUTO AOS ÍNDIOS

TRIBUTO AOS ÍNDIOS

Autor Luís Sevalho
 


Índios Kambeba – Boará Grande - Tefé
 
 




Vamos lembrar na história
Dos nossos índios guerreiros
Habitantes da Amazônia
Cobiça dos estrangeiros
Moradores seculares
Daqui foram os pioneiros.

Com o passar do tempo
Surgiu a colonização
Com aventureiros cruéis
Também veio a maldição
Destruindo os nativos
Acabando sua Nação.

Veja agora, caraíba
O depoimento daqui
Que da miscigenação
Nasceu o caboclo a sorrir
Forte, guerreiro e valente
Comedor de jaraqui:

- Sou uma índia sem destino
Por consequência do europeu
Não tenho identidade
Não sei, porém quem sou eu
Minha tribo pouco a pouco
Sumiu. Desapareceu.

- Como índio amazonense
Venho aqui me apresentar
Represento os Kulinas
Lá do Rio Juruá
Canto e toco minha flauta
Faço minha tribo dançar.

- Aqui também me apresento
Sou Mayoruna de fé
Nossa arte, o artesanato
Tem o tessume do tupé
Habitamos em Alvarães
Cidade vizinha a Tefé.

- Kokama, Kambeba e Tikuna
Estamos a representar
Nas barreiras das missões
Lá fizemos nosso lar
Também estamos presentes
No Boarazinho e Boará.

E assim a nossa gente
Vai levando sua sina
Enfrentando obstáculos
Mas, dando a volta por cima
Recriando nossa Pátria
Na América Latina