ANTA
BRANCA
Autor
Luís Sevalho
Numa
noite escura, propícia para focar pacas e onças nas barrancas dos igarapés,
dois caçadores do município de Limoeiro, “Manoel Zinho” e “Carmo”, saíram com
destino ao igarapé do Maku, afluente do Rio Mocó, com o propósito de capturar
antas no misterioso chupador do Caioé. Lá chegando, armaram o moitá à beira do
chupador, sem nenhum remorso, ficando à espreita do maior animal selvagem da
nossa região.
Munido de um bom arsenal, os caçadores
carregavam em suas capangas, fartos cartuchos carregados com bala palanqueta,
produzidos por eles mesmos para aquela missão noturna. Espingarda na mão e o
silêncio total faziam desses caçadores os heróis da floresta. De repente:
thiaar, thiaar, fiiz, fiiz, fiiz, groãum, groãum.. -“la vem a anta”, falou
Manoel Zinho em sussurros, percebendo o barulho vindo de um canamã. Ajeitou-se
bem, sem um pingo de medo; engatilhou o pau-de-fogo com cartucho de bala,
encostou a lanterna rente ao cano da espingarda, deixando para focar na hora de
atirar. Deixou o “bicho” chegar mais perto; pois é tradição dos caçadores
deixar a caça ficar à vontade no chupador para poder detoná-la com o tiro
certeiro.
Alguns minutos depois, piscou a lanterna,
acompanhando ao foco de luz o torpedo de bala, matando um veado capoeira que
ficou estirado lá mesmo. - “Desta vez não era ainda o boi da mata”, retrucou
Manoel Zinho. Não tinha problema, pois ele estava contente com a morte do veado
já que à noite tinha começado muito bem para eles. No entanto, tinha dúvidas se
a preferida ainda viria; pois o cheiro de pólvora, uso de cigarro ou até mesmo
o mal cheiro curtido na roupa do caçador faz os animais de grande porte
desconfiarem do local desistindo de irem chupar lama.
Mesmo assim, continuaram amoitados, no
aguardo da caça mais esperada. Precisavam de muita carne salgada para
distribuir no ajuri que iam fazer com vinte homens na derrubada do roçado. Não
tinham pressa com a passagem daquela lúgubre noite. Manoel Zinho sabia que das
suas caçadas em chupadores, nunca havia batido fofo, principalmente quando se
tratava de caça as antas e veados no igarapé do Maku. Também nunca tinha ouvido
falar que o lugar era de suspense para caçadores. Das vezes que ali se
encontrou, chegou a abater várias antas por noite. Quando isso acontecia, o dia
seguinte era de festa para a moçada do Limoeiro que tinham um único trabalho;
carregar nas costas os pedaços do maior boi da mata, servindo de rancho o mês
inteiro para toda a comunidade. E assim, sem desconfiarem de nada na íngreme
floresta encontravam-se ali, cheios de calma e silêncio na ânsia de fazerem uma
boa caçada.
Manoel
Zinho percebeu de forma macabra que algo estranho se fazia presente naquele
momento no chupador. Alguma coisa fez seu corpo arrepiá parecia um sexto
sentido. Tentou focar e a lanterna não acendeu, deu um leve baque com o punho
da mão na cabeça da lanterna, mas ela negava a acender. Não era possível
entender o que estava acontecendo com ele e a lanterna. Estarrecido tentou meditar,
porém seu corpo começava a se entregar ao fracasso. Sem ver nada, só
premunição, seus cabelos começaram a tomar forma de arame retesos para cima, parecendo
que estava vendo fantasma. Ainda para completar a dose, seu queixo tremia
descontrolado sem o seu consentimento, fazendo barulho nos dentes igual bando
de queixadas perdidos em tiroteios.
Carmo percebeu logo a mudança de
comportamento do sogro que parecia não se encontrar. Sem dúvidas, passou a mão
na espingarda que já se encontrava engatilhada e se preparou para o pior. Neste
difícil momento o caçador enervado, apertou o gatilho, rasgando o véu da noite
com um tiro de bala que ensurdeceu a floresta. Procurou não se mexer e nem
testar a lanterna de cinco elementos para ver o que iria acontecer. Pois sabia
que quando se mexe com os espíritos da floresta, a reação é quase que imediata.
O suspense foi aumentando quando de
súbito, uma luz incandescente muito forte saiu em direção aos caçadores,
ficando o lugar bem claro parecido com o dia. Uma chuva fantasma seguida de
fortes turbulências cercou os caçadores, sendo que eles não enxergavam a
tempestade; só percebiam que estava chovendo forte por todos os lados.
Abismados
pelo acontecido, os dois voltaram a olhar para o chupador, enxergando lá em
baixo uma Anta Branca, parecia vestida de noiva, rodeada de animais; alguns
muito feridos e outros que choravam a perda de seus filhotes, provavelmente
mortos por caçadores impiedosos. A anta misteriosa tentava consolar a todos,
acariciava-os tentando fechar os ferimentos com ganga impura. Manoel Zinho se
mandou, enquanto que o Carmo, comovido pela dor dos animais, desceu do moitá,
entalado de emoção tentou aproximar-se da aparente reunião, quando foi alvejado
na cabeça por um ouriço de castanha, arremessado por um macaco barrigudo,
levando o “piedoso“ caçador ao desmaio.
Durante o sono em cama de folha podre com
lama, Carmo pôde sonhar, vendo os animais rodeados em sua volta. Na conversa
com eles recebeu recomendações ecológicas da Anta Branca que se apresentou como
mãe do chupador, defensora de todos os animais. Solicitou a ele que levasse uma
mensagem aos homens errantes, destruidores do presente e do futuro da
humanidade e que falasse a todos os caçadores para respeitarem os animais e a
natureza, porque eles têm o seu protetor natural. Em seguida afastaram-se dele
dando uma boa lição de comportamento animal.
Quando Carmo acordou, estava todo sujo de
lama, cheirando à anta no meio da escuridão. Acendeu a lanterna que estava
pendurada no pescoço, focou em direção ao chupador para ver se o veado ainda
estava lá e não encontrou nada; nem o veado e nem o chupador; tudo desapareceu.
Naquele lugar nasceram lindas árvores frutíferas e muitos buritizeiros.
Certificou-se que algo muito estranho tinha acontecido com ele. Era como se
fosse uma revelação e prometeu a si mesmo que se escapasse com vida, nunca mais
faria mal algum à natureza. Chegando em casa preferiu não contar nada a
família; pois sabia que se abrisse a boca ninguém acreditaria nessas histórias
de caçador. Ainda ficou vários dias com febre alta, dor de cabeça e dores nos
braços.
Quando
se recuperou da pancada do ouriço, Carmo se transformou num verdadeiro
ambientalista e voltou novamente lá com uma placa e os seguintes dizeres: Área de Preservação
Permanente Anta Branca
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