Inédito
O
PÁSSARO QUE NÃO APRENDEU DIZER ADEUS
Autor:
Luís Sevalho
Um índio tupeba caminhava pela floresta, quando
se deparou com um pássaro ferido. Prontamente levou-o para a aldeia,
prestando-lhe os primeiros socorros. Em pouco tempo a ave já estava revigorada
e os dois ficaram amigos inseparáveis. O convívio harmonioso com o aborígene era
de vida livre, porque mesmo dominado pelo silvícola, o pássaro manteve o equilíbrio
com a natureza. Tinha a liberdade de voar em qualquer miragem, molhar o bico no
igarapé natural, inspirar sonhos e poder dormir sem temer predadores. Junto às outras
aves, vivia feliz florescendo a vida a todo instante no imenso bioma amazônico.
Ninguém sabia, mas ele possuía poderes da
transgressão e dominava a força da imaginação, guiado por deuses estelares. O
mensageiro celeste tinha a missão de espalhar a felicidade a todos os seres
vivos até atingir a plenitude humana. Buscava no mito da origem um guia
espiritual para combater a fúria dos maus, abrandar corações de quem faz a
guerra e semear a paz.
Seu habitat foi aniquilado pelo
desmatamento incauto dos homens. Era preciso modificar a consciência humana para
equilibrar o ambiente antes da queda da última árvore ou da contaminação do
último manancial. Em presságio lutava incessante para salvar a floresta que
ronca e suplica. A grande incógnita era se comunicar com as pessoas, pois não
entendiam sua linguagem, nem seus gestos. Buscava esperança entre o verde para
chegar aos humanos com humildade, assim como fazem as crianças na inocência de
um sorriso. Estava ciente que um dia ressoaria alegria em todas as faces, legando
amor e conhecimento em um revoar sem fim.
O índio o alimentava em vasos e, às vezes a
comida era servida sobre pedaços de papel colocados entre os galhos das árvores.
Na manhã observou que o pássaro recusava o alpiste da vasilha, priorizando os alimentos
servidos no papel. Ele fingia alimentar-se ali, porque seu sustento mesmo estava
na relva in natura. Num descuido, plaff, o alimento era jogado do papel e o
pássaro em gesto misterioso psicografava frases enigmáticas que finalizavam em formato
de coração. Depois os rabiscos eram guardados no ninho-arquivo feito com
vergônteas perfumadas, escondido há alguns quilômetros dali.
Chegava o momento do ser híbrido, portador
de poderes inimagináveis, emitir o primeiro sinal de comunicação com os
humanos. O índio não entendeu e recorreu ao xamã que pajeando o bilhete, informou
que a ave em transe evocava a alma de um jovem chamado Apiá, filho do xamã que lhe
dava poderes para voar além dos limites da vida e também retornar. Novamente o
curandeiro ordenou que o mitológico mostrasse seu ninho secreto para esclarecer
todos seus mistérios e assim foi feito.
As frases
direcionavam-se aos terráqueos, informando que as aves tiveram participação na
criação da humanidade. As outras continham fórmulas prontas de gestão
participativa para salvar municípios em atraso econômico ou em situação de desordem
social. Na fabulação mítica, o ancestral previa a modernidade do município de
origem com celeiro cultural avançado, polos universitários e reservas
petrolíferas. Alguns poços com gás natural receberiam nomes de plantas, de pássaros
e de santos católicos transformando a cidade na mais rentável do interior.
O poder cosmogônico da ave despertou interesse
político. Alguns prefeitos formaram gigantescas caravanas para encontrar, na
mata fechada, o pássaro anônimo, angariador de poderes mágicos que “desencalharia”
suas falidas administrações municipais. Faziam até previsão de que se o encontrasse
trancá-lo-iam em seus gabinetes como conselheiro de gestão.
Após
dias de busca no coração da floresta, avistaram o alado pousado numa muiraquitã
ouvindo o atraente canto do Uirapuru acompanhado de outras espécies que gorjeavam
alegremente em sinfonia receptiva. Ao aproximarem-se dele, todos ficaram envoltos
num banho mágico, mitigando seus pensamentos. Durante a vertigem, suspensos no
ar, puderam ver os erros cometidos em suas gestões públicas. O Clã revoou o Céu
e ao voltar aconselhou a todos para voltarem renovados às suas bases e a cumprirem
piamente o que ficou acordado.
Intrigado com tantas mazelas, o pássaro fechou
a cortina do tempo e alçou voo para o desconhecido, deixando um bilhete no
ombro do pajé que dizia:... “não aprendi dizer adeus, voltarei sempre”.
Essa história é linda.
ResponderExcluirParabéns Sevalho, você escreve lindas histórias!!
ResponderExcluirMuito agradeço.
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