O
HOMEM QUE CAÇAVA COM AS PEDRAS
Autor
Luís Sevalho
Numa localidade muito distante, das
brenhas do Rio Juruá, existia um seringueiro de um jeito muito estranho, porque
não tinha dificuldades em capturar animais silvestres para seu sustento.
Enquanto os outros não tinham nada para se alimentar, para o velho seringueiro
não faltava nada. Seu tapirí estava sempre cheiro de carne de anta e tatus.
Isso encabulava os demais colegas que não entendiam como se procedia tal
façanha.
Quando o interrogaram, tentando colher
informações a respeito, ele era catedrático em afirmar que suas embiaras eram caçadas
com quarenta cães, que já se encontravam distribuídas na selva. Isso não era
correto, pois quando se caça com cães farejadores, eles vão acompanhados de seus
donos para a selva e voltam juntos para casa, sendo treinados todos os dias até
ficarem aptos nesse tipo de caçada selvagem. O que deixava os outros intrigados
era o fato do velho “guru” não usar nenhum tipo de arma para abater suas
presas; só levava consigo um bordel defumado com leite de seringueira. Saía
geralmente à tardinha, esperando a noite chegar para começar a misteriosa
caçada.
Noutro dia a fartura era vista por todos,
dando no meio da canela. Descontentes, seus colegas resolveram armar uma cilada
para ver se conseguiam descobrir o truque do seringueiro caçador.
Posicionaram-se em determinados locais da selva, equipados com óculos especiais
que facilitava enxergar no escuro, aguardando a chegada da noite para ver se
conseguiam desmascarar o caçador invisível.
Todos
sabiam que a área delimitada era o ponto certo, onde o velho caçava; portanto,
ficaram lá, no seu aguardo. Logo a noite chegou anunciada pelo estridente canto
martelo do pequeno urutu, testemunha do que iria acontecer. O bacurau levantou
voo rasante, sentando logo adiante, anunciando a presença do caçador que, ao
chegar, aproximou-se do tronco de uma castanheira, arriou a saca com quarenta
pedras de louça, dessas usadas para fabricação de cerâmica. Em seguida, foi
arrumando uma a uma em pontos estratégicos da floresta, nomeando-as em voz
alta; anta, paca, tatu, veado, cotia. Depois saiu fazendo sinais de preces ao
céu, afastando-se do local.
O momento era de muito suspense para seus
colegas seringueiros que se encontravam ali bem perto, assistindo a tudo. De
repente, no bater das pestanas, ouviram o brado de um cão que emergia de um
buraco, em seguida outro, e aos poucos os curiosos seringueiros iam ficando
cercados por uma matilha de quarenta cães envenenados de raiva que encurralaram
seus visitantes, não lhes dando tempo para correr nem de escapar de seus
ataques, sendo todos devorados sangrentamente pelos furiosos cães. Após o
fatídico caso, os cães transformaram-se em pedras assassinas, voltando para o
mesmo lugar. Quando o dono das pedras voltou ao local, na esperança dos cães
terem feito uma boa caçada, só encontrou seus amigos estraçalhados. Foi muito
grande a emoção do velho seringueiro por ter perdido seus melhores amigos
daquela maneira.
Comovido, começou a enterrar os corpos
junto com as pedras ao redor da castanheira, ficando com a consciência pesada
pelo fato de não explicar aos outros como “caçava” com as pedras. Depois de
vários anos começaram a aparecer figuras humanas na casca da castanheira
acompanhadas de pedras que se transformaram em flores. Hoje, este lugar é de
promissão juntando-se ali muitos romeiros a procura de obter milagres e curas.
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