FRANZINO E A ONÇA D’ÁGUA
Autor Luís Sevalho
Desenho: Raimy
Ribeiro
Franzino era um pescador destemido, estava sempre
pronto para enfrentar os perigos do lago, a procura de peixes fresquinhos para
vender a população. Todas as vezes que armava uma pescaria, já comercializava antecipado,
as várias espécies de peixes que ia trazer porque tinha certeza que no lago do
Fundão, jamais deixaria passar vergonha. Desta vez, sempre solitário, o valente
Franzino saiu cedo para fazer a pescaria numa área íngreme de matupazal no dito
lago. Já era tarde da noite e a madrugada chegava quando a barriga de Franzino
reclamou pela falta de alimentos, haja vista ter saído de casa no rabetinha
antes do dia amanhecer e como é de costume, o pescador quando sai para o
marisco só leva consigo uma garrafinha de café; quando leva.
Como os sucessivos goles do mate eram insuficientes
para enganar a fome, resolveu então fazer um assado na restinga, sabendo que a
sobra do peixe serviria para alimentar outros animais que por ali já estavam na
espreita querendo também fazer o bom proveito. Do porão da velha igara retirou
só aqueles peixes graúdos para colocar no moquém, cuidando logo de cortar a
lenha para fazer o fogaréu.
Na hora do baco-baco, Franzino percebeu que a
restinga tremia. Resolveu focar na água,
detectando inúmeras borbulhas que emergiam, tomando conta de todo anhingal. Os
lagos mais próximos como o Redondinho, o Cortiça e o lago do Cipó estavam todos
com as águas fervilhando; cardume inteiro de peixes pulavam fora d’água de
forma desordenada querendo avisar que algo estranho estava por acontecer. Neste
momento a fome passou e o coração do bravo pescador disparou. Olhando abismado
com os olhos quase querendo sair do globo ocular, percebeu que a água do
matupazal subia e descia freneticamente, deixando o pescador atônito, sem saber
o que fazer.
Macabro e sem opção, a solução tomada em segundos
foi subir numa árvore de tachizeiro sem se importar com as mordidas dos
guardiões dessa árvore. De lá, olhando para todos os lados, começou a observar
o que iria ocorrer naquele momento de pânico.
Quando aparentemente tudo parecia normal, Franzino,
num esforço redobrado conseguiu ver um casal de onças d’água que tinham o
formato de ariranhas em tamanho dobrado saindo repentinamente de trás de uma Sapopemba
e partiram furiosamente em direção à canoa que não foi devorava porque um
jacaré de sete metros impediu o ataque, colocando-se na frente das onças e foi
devorado violentamente pelas felinas aquáticas. Tudo era assistido pelo
pescador do galho da árvore que enervado em calafrios, mal podia se mexer.
Antes de o dia amanhecer e já saciadas pelo jantar
do jacaré, as onças- d água começaram a brincar, atirando água para cima com
suas longas caldas atingindo quase três metros de altura. Dizem que a altura
que a água atinge é a mesma distância que ela salta no ar.
O odor exalado das axilas do pescador fez a
onça-fêmea perceber que tinha sangue humano no pedaço. Ela franziu a testa
destoou vários esturros que foram ouvidos nos lagos mais distantes como o lago
do Mamede, lago do Júlio e lá no Poço do Matos. Os urros eram tão fortes que o
eco parecia sair do fundo dos lagos. Mas não conseguiu enxergar o seu rival. Porém
ficou de orelha retesa tentando localizar o pescador que nessas horas já
invocava mais de cento e cinquenta santos para se livrar do perigo.
Quando o dia amanheceu, as onças colocaram-se em
fila dando a entender que já iam se retirar, quando uma pigarra obrigou
Franzino a concertar a garganta, fazendo elas enfurecerem-se e começar a
perseguição contra o pescador. Elas só não subiram na árvore porque suas mãos
em forma de nadadeira não lhes permitiam esse avanço, restando apenas ficarem
prostradas em vigília no tronco do arbusto por tempo indeterminado.
Já pela tarde a onça-macho resolveu retirar-se,
deixando de plantão a fêmea que se revezava no tronco do tachizeiro esperando o
pescador cansar, sentir fome e sede até desmaiar e cair para ser devorado por
elas. Franzino percebeu que teria vários dias de sofrimentos. Então, teve uma ideia
genial falando uma linguagem cabalística. – kssalabá - o que fez a onça colocar
os ouvidos para cima tentando entender. Disse ele à rainha dos anhingais que se
ela o deixasse em paz comprometia-se a não invadir os lagos de preservação e
nunca mais praticaria a pesca predatória. A onça entendeu o recado e deu no pé
toda faceira balançando a cabeça num sinal de positivo.